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Guia de sobrevivência para tempos difíceis.

Texto de Thayz Athayde 

Não costumo gostar de guias e coisas de autoajuda. Tem a ver com o que eu acredito, com o que sigo nas questões da psicologia. Acredito na análise, no desejo, no inconsciente. Acho que cada pessoa precisa encontrar aquilo que vai deixar ela bem, não tem uma fórmula única para todas as pessoas, sabe? O que funciona para mim tem a ver com a minha história, com a minha vida cotidiana, com o que desejo para mim.

Mas, muitas amigas tem relatado o quanto está sendo difícil viver em uma conjuntura política em que ser de esquerda e feminista se tornou sinônimo de enfrentamento diário (mais do que antes). Quantas pessoas brigaram com colegas? Com família? Com os pais? Quantas amigas me falaram que não querem passar o natal com a família porque seus pais ou familiares votaram em alguém que representa um discurso de violência contra elas mesmas (feministas, pessoas negras, pessoas LGBTIs). Além de enfrentar tudo isso, estamos também seguindo em frente, nos mobilizando, lutando como antes, só que com uma dificuldade imensa: um governo fascista.

“Ninguém solta a mão de ninguém”. Ilustração da artista e tatuadora Thereza Nardelli.

Percebi que o que é simples para mim pode ser transformador para outras pessoas. Tempos difíceis exigem esforço, então, fiz um pequeno guia de sobrevivência nesses tempos difíceis. Isso não vai resolver o problema de ninguém, mas sei que a maioria das pessoas não conseguem fazer análise ou terapia por milhares de motivos. Acredito, sim, na análise, mas também acredito na potência do feminismo, nas mulheres que fizeram grupos de reflexão nos anos 70 que foram essenciais para a saúde mental das mulheres. Enquanto alguns pressupostos da psicologia diziam que tudo é individual, elas lembravam que existe uma estrutura que também constrói aquilo que é colocado como individual.

1) Se você estiver muito ansiosa e estressada, experimente ficar um tempo longe do celular. Você pode, por exemplo, avisar as pessoas mais próximas que vai ficar algumas horas off line. Vale ligar o modo avião, desligar a internet ou até o celular. A velocidade das informações que recebemos e também a exigência de uma resposta rápida pode fazer com que a nossa ansiedade aumente, como se para as coisas na vida fosse necessária uma solução imediata. Nesses momentos, é possível tentar a experiência de ficar longe das mensagens (todas elas: redes sociais, jornais, o email do trabalho, a mensagem da amiga) e refletir melhor sobre o que recebeu, assim como a resposta que poderá dar.

2) Muitas vezes pensamos que autocuidado envolve ir até um lugar distante para meditar durante horas e ver paisagens lindas e inéditas. Isso também pode ser uma forma de adiar nosso cuidado, afinal, quem tem dinheiro e tempo para fazer isso tudo com frequência? Não se sabote e nem adie o seu autocuidado. É possível cuidar de si fazendo coisas simples e sem custo.

3) Pense em coisas simples que você goste de fazer. Tem gente que gosta de fazer colagens, costurar, cuidar de plantas, ler um livro, ficar em algum lugar ouvindo música com os olhos fechados. Fazer comida também acalma muita gente. Você consegue pensar em coisas simples como essas? Já vi gente que adora lavar louça para se acalmar também. Vale tudo. O importante é achar algo que esteja ao seu alcance e que faça esquecer um pouco os problemas e se conectar com você.

4) Tem muitos vídeos no youtube de profissionais que ensinam meditação e yoga. Você pode até achar tudo isso um saco, mas fazer meia hora de uma dessas duas coisas antes de começar o dia faz uma grande diferença. Meditação e yoga (assim como pole dance, que eu sou suspeita pra falar porque amo muito) são técnicas que fazem você olhar para si mesma, para seu corpo, lidar com sua respiração, pensar em você e não no que está lá fora.

5) Tudo é uma questão de hábito. No começo é difícil sim, você vai achar um saco fazer uma caminhada na praia a noite, yoga antes de sair de casa ou até mesmo desligar a internet para assistir aquele seriado maroto. Insista. Com o tempo isso vai se tornar tão natural quanto tomar banho.

6) Pode até parecer estranho, mas fazer algo por si exige um grande esforço, maior até do que quando fazemos para as outras pessoas. Pensa comigo: quantas vezes vamos até um lugar para encontrar alguém, em um horário e lugar que você normalmente não iria? Você faria a mesma coisa se fosse algo para você mesma? É preciso um esforço para cuidar de si e ele depende de você.

7) Procurar e determinar seus limites pode ser crucial para o autocuidado. Não deixe que outras pessoas ou situações determinem isso por você. Nessa conjuntura política queremos nos esforçar ao máximo para dar conta de tudo na tentativa de modificar o que estamos vivendo. Nesse momento é importante você saber que o esforço que você faz é incrível, mas você não está sozinha. Tem um monte de gente nessa luta também. Então, veja até onde você consegue ir e determine um tempo pra cuidar de si. (olha lá as dicas 2 e 5).

8) Essa dica só vem agora, mas ela é extremamente importante: faça análise/terapia. Muitas pessoas não procuram o serviço de psicologia por conta do preço, mas é necessário reforçar que há muitos lugares que fazem taxa social ou mesmo atendem de forma gratuita, como a Clínica Aberta de Psicanálise. Nas faculdades de psicologia também é possível fazer análise ou terapia com estudantes do último ano de psicologia que são orientados por professoras da universidade. Se for possível, tente procurar um profissional de psicologia. E, de preferência, peça dicas para pessoas que você confia para encontrar uma psicóloga.

Eu fico muito feliz de ter acesso as críticas das feministas aos saberes psi e poder construir um outro ponto de vista a partir disso. Saúde mental é tudo. Se eles usam o medo como estratégia política, a nossa estratégia é o autocuidado.

Observação final: A linguagem desse texto é utilizada no feminino não por ser destinado apenas para mulheres, mas por uma escolha política. Entendo que poderia utilizar outras formas de linguagens como o “x”, “@”, “e”. Não quero com a minha escolha negar a importância dessa outra linguagem. Contudo, entendo que minhas escolhas são políticas e acredito que, muitas vezes, ao ler textos com esses marcadores temos tendência a “masculinizar” a leitura. Isto posto, reforço que farei um grande esforço para usar palavras consideradas neutras, mas quando não for possível, utilizarei a linguagem feminina. Importa saber que ao escolher politicamente uma linguagem feminina não quero remeter a uma “essência” do que é ser mulher ou não reconhecer corpos que não se identificam como homem e nem como mulher. Utilizo essa linguagem como uma forma de subverter a lógica machista que está presente não só na língua portuguesa, mas em tantos outros saberes e espaços institucionais.

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